Nada
nasce já clássico
Não há nada de novo, a não ser
o que foi esquecido.
Rose Bertin
Rose Bertin
Em nossos estudos e mais de 20 anos
de viagens à Índia detectamos um erro gravíssimo cometido pela maior parte dos
autores de livros e pela maioria dos professores. Declaram eles com frequência
que o mais antigo é o Yôga Clássico, do qual ter-se-iam originado todos os
demais. É muito fácil provar que estão sofrendo de cegueira paradigmática. Para
começo de conversa, nada nasce já clássico. A música não surgiu como música
clássica. Primeiro nasceu a música primitiva que foi origem de todas as outras
até que, muito tempo depois, apareceu a música clássica. A dança é outro
exemplo eloquente. Primeiro surgiu a dança primitiva que deu origem a todas as
outras modalidades e precisou consumir milhares de anos até chegar a um tipo
chamado dança clássica. Nada nasce já clássico. E assim foi com a nossa tradição
ancestral. Inicialmente, nasceu o Yôga Primitivo, Pré-Clássico, pré-ariano,
pré-vêdico, proto-histórico. Ele precisou se transformar durante milhares de
anos para chegar a ser considerado Clássico. Provado está que o Yôga
Clássico não é o mais antigo, consequentemente, não nasceram dele todos os
demais – o Pré-Clássico, por exemplo, não nasceu dele.
É interessante porque, ao mesmo tempo
em que todos os autores afirmam que o Yôga tem mais de 5000 anos de existência,
a maioria declara que o mais antigo é o Clássico, o qual foi surgir apenas no
século terceiro antes da Era Cristã, criando uma lacuna de 3000 anos, o que
constitui incoerência, no mínimo, em termos de matemática!
Mas como doutos escritores e Mestres
honestos puderam cometer um erro tão primário?
Acontece que a Índia foi ocupada
pelos áryas, cujas últimas
vagas de ocupação ocorreram a cerca de 1500 a.C. Isso foi o golpe de
misericórdia na Civilização do Vale do Indo, de etnia dravídica. Conforme
registraram muitos historiadores, os áryas
eram na época um povo nômade guerreiro sub-bárbaro. Precisou evoluir mil e
quinhentos anos para ascender à categoria de bárbaro durante o Império Romano.
A Índia foi o único país que, depois de haver conquistado a arte da
arquitetura, após a ocupação ariana passou séculos sem arquitetura alguma, pois
seus dominadores sabiam destruir, mas não sabiam construir, já que eram nômades
e viviam em tendas de peles de animais.
Como sempre, “ai dos vencidos”. Os
arianos aclamaram-se raça superior (isto lembra-nos algum evento mais recente
envolvendo os mesmos arianos?) promoveram uma “limpeza étnica” e destruíram
todas as evidências da civilização anterior. Essa eliminação de evidências foi
tão eficiente que ninguém na Índia e no mundo inteiro sabia da existência da
Civilização do Vale do Indo, até o final do século XIX, quando o arqueólogo
inglês Alexander Cunningham decidiu investigar umas ruínas em 1873. Por isso,
as Escrituras hindus ignoram o Yôga Primitivo e começam a História no
meio do caminho, quando esse nobre sistema já havia sido arianizado.
Tudo o que fosse dravídico era
considerado inferior, assim como o fizeram nossos antepassados europeus ao
dizimar os aborígenes das Américas e usurpar suas terras. O que era da cultura
indígena passou a ser considerado selvagem, inferior, primitivo, indigno e, até
mesmo, pecaminoso e sacrílego. Faz pouco menos de quinhentos anos que a cultura
européia destruiu as Civilizações Pré-Colombianas e já quase não há vestígio
das línguas (a maioria foi extinta), assim como da sua medicina, das suas
crenças e da sua engenharia que construiu Machu Picchu, as pirâmides da América
Latina, os templos e as fortalezas, cortando a rocha com tanta perfeição sem o
conhecimento do ferro e movendo-as sem o conhecimento da roda.
Da mesma forma, na Índia, após 3500
anos da ocupação ariana, não restara vestígio algum da extinta Civilização
Dravídica. O Yôga
mais antigo? “Só podia ser ariano!” Descoberto o erro histórico há mais de cem
anos, já era hora de os autores de livros sobre o assunto pararem de
simplesmente repetir o que outros escreveram antes dessa descoberta e admitirem
que existira, sim, um Yôga arcaico, Pré-Clássico, pré-vêdico, pré-ariano,
que era muito mais completo, mais forte e mais autêntico, justamente por ser o
original.
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