Shiva, o criador mitológico do Yôga
Shiva foi um homem cuja bibliografia se dissipou ao longo de várias eras. Encontramos possíveis alusões da sua existência em gravuras arqueológicas da civilização do Vale do Indo, no período dravídico e pré-dravídico na Índia.
A Shiva foram atribuídas várias identidades pelos hindus como: Shankara, Natarajásana, Mahadêva, Hara, Mahá Yôgi, Bhairava, Mrityunjaya, Girsja, Kailabhairava, Nilikantha, Mahêshwara, Chandrashêkara, Gangádhara, Diganbhara, Bhagavata, Bháva, Rúdra, Pashupáti, etc.
Na cultura em que Shiva viveu, inexistia a concepção de Deus, deuses ou religiões da maneira como hoje rotulamos. Para nós, defensores de um Yôga naturalista (não espiritualista e não místico), ele foi apenas um homem que nasceu, viveu e morreu como outro qualquer, mas que nos deixou um legado inestimável, atualmente conhecido como SwáSthya, o Yôga Antigo.
Alguém praticou Yôga primeiramente, esse foi quem ensinou aos demais e entrou para a mitologia com o nome de Shiva. A ele rendemos homenagem na última parte do pújá (retribuição de energia, oferenda, honra) na nossa prática de Ashtánga Sádhana.
Entre os seus vários aspetos, podemos visualizar os arquétipos com os quais nos identificamos para, assim, direcionar o pújá. Para exemplificar, escolhemos as três principais personalidades de Shiva: Pashupáti, Shankara e Natarája.
Shiva Pashupáti
Pasupáti é a forma primitiva de Shiva, que nos leva a imaginar o período dravídico, anterior ao hinduísmo. Considerado o «Senhor das Feras», é a primeira manifestação de Shiva de que temos conhecimento. Sua reprodução mais antiga, de 2500 a.C., foi encontrada nas ruínas de Mohenjo-Daro, no Vale do Indo.
Ao interpretarmos a sua imagem, como diz Van Lysebeth: “Shiva, princípio criativo masculino, é um dos símbolos mais poderosos e mais antigos (…)”. (Tantra, el Culto de la Feminilidad, ed. Úrano, p.166). E como concluí Stuart Piggott: “Não existe dúvida de que temos aqui o protótipo de Shiva, na função de senhor dos animais selvagens e príncipe dos yôgins” (Prehistoric India, Penguin Books, p. 202).
Provavelmente, durante a formação do hinduísmo (a partir de 1500 a.C.), surgiram duas novas designações de Shiva que tornaram-se conhecidas mundialmente: Shiva Shankara e Shiva Natarája.
Shiva Shankara
Shankara apresenta-se em padmásana, sentado sobre a pele de um tigre. Possui um colar de rudrákshas e uma serpente enrolada em seus braços. De sua cabeça, nasce o Gangá (rio Ganges, representado por um esguicho de água). Porta o trishúla, o damaru, o ardha-chandra e o linga. Ao fundo, observamos a cordilheira dos Himalayas, bem como vários outros símbolos minuciosamente descritos pelo folclore hindu.
A figura em si representa o yôgi asceta, um jíva mukta, um liberado em vida, isolado nas mais altas montanhas do planeta. Ao meditar em Shiva Shankara, transcede a dualidade da Natureza, ultrapassando os limites do prazer e da dor, do bem e do mal, da vida e da morte, do tempo e do espaço.
Shiva Natarája
Natarája significa rei dos bailarinos. Ele figura o centro de um círculo de fogo, pisa o “demónio” da ignorância. Numa de suas mãos, há um pequeno tambor, o damaru, com o qual marca o ritmo do Universo. Os seus vários braços sugerem o movimento.
Natarája é a manifestação de Shiva envolvido na trama do mundo, integrado à existência de outros seres. É o oposto de Shiva Shankara, isolado nos Himalayas em seu ascetismo. Natarája representa aquele que vive, trabalha, luta na sociedade e, ao mesmo tempo, plenamente consciente da efermidade nela contida.
O yôgin que medita na forma de Natarája não precisa retirar-se do mundo para conquistar a meta do Yôga.
Ao identificar-se com ele, o praticante de SwáSthya realiza obras de arte com o corpo, tornando-se uma escultura viva em movimento, sintetizada em belas coreografias. Natarája convive magistralmente integrado consigo mesmo, com os outros seres e com o Universo.
Da mesma forma que Pashupáti e Shankara, existem diferentes interpretações para a representação de Natarája. Ao longo dos tempos, encontrámos na mitologia hindu inúmeras lendas e contos para cada uma das personalidades, bem como para os símbolos que as acompanham. Embora o estudo dos mitos possa conter um fundo de verdade e satisfazer a nossa curiosidade intelectual, para todos aqueles que praticam o Yôga Antigo, é indispensável meditar sobre o objecto com o qual nos identificamos.
Sérgio Santos, Livro: Pújá a força da gratidão
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